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terça-feira, 20 de julho de 2010

Me dê um bom motivo pra olhar pro céu

Gosto de terra molhada e sangue. A dor atravessa meu corpo como gotas quentes de chumbo, amenizada pela chuva gelada que me banha em solidão. Abandonado, caído. Sei que não voltarei para casa amanhã, não dormirei com minha esposa, não trarei meu filho ao colo. Minha visão é turva e minha memória, borrada. Ouço passos bem perto de mim, mas não ouso me mexer, não ouso pedir ajuda. Eles correm para longe e eu fico ali, deitado. Mal posso abrir os olhos, mal posso olhar o céu. A chuva é grossa e não há nada lá me esperando, ninguém que possa me ajudar, ninguém que queira.
O calor da lareira, o sabor do café, o conforto dos braços, o prazer da risada. Os olhos escuros, os dois pares de olhos escuros. Ler um jornal, me irritar com as notícias. Ajudar no almoço, reclamar da cebola, cortar o dedo. Brincar de carrinho, soldadinho. O soldadinho agora sou eu e as armas não são de plástico.
Já está ficando difícil respirar e os meus dedos estão adormecendo. Entre as gotas de chuva não sei distinguir as lágrimas. Minhas mãos tremem. Quanto vale tudo isso? Vale a paz. Minha mulher nunca mais estará em paz, meu filho nunca mais estará em paz. Vale a justiça. Minha mulher está sendo injustiçada, meu filho está sendo injustiçado. Vale o poder. Minha mulher não tem emprego e meu filho tem 3 anos. Que paz? Que justiça? Que poder? Paz na mortes dos seus irmãos. Justiça na destruição da sua família e poder nas mão de quem não arrisca nada. Nada próprio.
Eu ainda ouço o padre dizer: “Reze, filho, reze muito que sua alma é pura, é jovem e Deus te trará de volta”. Queria olhar nos olhos dele agora. Rezei como tanta paixão. Cada raio que corta o céu me deixa um pouco mais cego e cada trovão, um pouco mais surdo. Começo a sentir sono. Começo a sentir medo. Medo como nunca senti. Quanto eu fechar os olhos estará tudo acabado.
Logo eu que sempre fui justo, logo eu que sempre fui correto. Sempre fui um bom marido e um bom pai. Mesmo que apenas por três anos. Três anos que ele não se lembrará. Meu filho não se lembrará de mim. Se eu conseguisse rir talvez caísse na gargalhada agora. Não sinto minhas pernas, na verdade eu não posso vê-las. Meu desespero, meu medo, tudo se tornando loucura. Pai, me de um bom motivo para olhar para o céu, porque tudo o que eu fiz por ti apenas me jogou de joelhos ao chão.
É isso, estou cansado, estou com frio e estou com sono. Acho que é hora de tirar meu último cochilo.

quarta-feira, 7 de julho de 2010

Sombras

Olhando não sei mais o que pensar.
De perto era distinto, mas agora está tudo borrado.
Você ama demais ou se ama pouco?
Falta apoio, falta força, falta coragem, falta rumo, falta vontade, falta vida.
Ou você ama demais por amar-se pouco?
Falta prazer, falta diversão, falta reconhecimento, falta sentimento, falta vida.
Você não se conhece ou você não quer se conhecer?
Falta postura, falta identidade, falta carater, falta verdade, falta valor, falta vida.
Ou você não se conhece, porque não quer se conhecer?
Falta ímpeto, falta bom-senso, falta sinceridade, falta honestidade, falta vida.
Ou tem medo de se conhecer?
Sua vida é a de outras pessoas, seus sentimentos, seus valores, suas vontades, suas verdades, tudo que te compõe vem do espelho de quem te guia.
Você não é, você copia.
Sorte que, apagando a luz, quem some é você.
Pois se fossemos nós, ah... se fossemos nós, queria te ver sozinha.
Seria capaz de escolher seu próprios prazeres, sabores, valores, dizeres? Suas próprias vontades e verdades?
Você não tem vida ou apenas não vive por comodidade?
Ou você não tem vida, porque só vive de comodidade?
Sozinha, como seria?
Tem capacidade pra tanto? Duvido.
Não passa de um mês, uma semana, um dia.

Metáfora às sombras dessa vida.