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terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Eu me deixo partir

Nas tortuosas paralelas dessa vida,
Onde caminhamos de mãos dadas,
Nunca tivemos nossas linhas trançadas.

Fizemos laços, pontos, costuramos,
Até corremos para chegar do outro lado,
Mas o limite guardava o mal aventurado.

Sem linha resistente, mas insuficiente,
Os laços mais fortes nos eram servis,
Sublimavam os rasgos, já pouco sutis.

Desculpe, mas chegou nossa hora,
Se apenas em retalhos para nos unir,
Eu te deixo partir, eu me deixo partir.
(PINHEIRO, João P. C. – 24/10/2012 – 15:08h)

quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Último Beijo



Já havia sentido essas dores no peito antes, mas aos vinte e poucos anos elas são diagnosticadas mais como excessos do que falências. Portanto, uma nova viagem não deveria me causar mal. E fui. 

Uma casa esquisita em um condomínio esquisito, mas com um pouco que paz que, em último caso, seria muito útil. Se não, quando voltasse estaria em um cardiologista na primeira hora após retornar.

Aproveitando a noite, não me lembro bem, estou em uma danceteria, sem me importar com quem está comigo ou o que está tocando, vejo ao longe uma garota e me aproximo dela. Ao se virar para falar comigo vejo algo peculiar que só percebo realmente quando ela abre a boca para falar comigo. Duas bocas bem menores se abrem juntamente na parte mais alta de suas bochechas. Aquilo me dá um enjoo e me leva para longe. A “Moça das Boquinhas” não me segue e não a vejo mais.
Porém, dou de cara com uma mulher, roupa vermelha, pele clara, olhos fortes e decididos, o cabelo negro da cor da morte, mesma cor de seu batom. Acordo de madrugada em sua cama, deixo-lhe um beijo e rastejo para fora.

Na volta de casa, estou na parte de traz das casas e os quintais são conjugados, separados por pequenas muretas de madeira e, após passar pela última delas, um rapaz sentado, visivelmente entorpecido, tosse e me olha. Por algum motivo eu estou carregando meu narguilé comigo e ele me oferece uma das peças do seu, que, coincidentemente me faltava.

Na noite seguinte acordo novamente nos braços da Dama de Vermelho com a boca manchada por seu batom preto. As lembranças são nubladas e não as entendo bem.
Novamente a volta pelos fundos, novamente o Rapaz do Narguilé, e dessa vez um convite para ficar e participar de uma festa. Com um pé atrás, recuso. Mas a porta dos fundos se abre e vejo rostos muito familiares, antigos amigos de tempo da faculdade. E outros desconhecidos. Entro.

Estou totalmente limpo e nego veementemente a oferta de tomar mais do que um refrigerante. Eis que o Trapaceiro entra em cena, eu o devia ter descoberto antes, e me serve um refrigerante. Eu tomo e, como prova do meu erro, vejo sedimentos no fundo do copo. Minha visão se turva uma, duas, três vezes até se estabilizar. Meu corpo amolece por um segundo e meu peito dispara para compensar. De repente me sinto bem, mas algo está errado. Meus amigos ressaltam a coincidência de eu conhecer a Dama de Vermelho, por ter estudado (?) com eles.

Um segundo depois me sinto puxado para traz e, quando olho, vejo aquelas duas infames, famintas, erradas, bocas que não deveriam existir. E sua dona. A conversa é tão direta quanto eu posso ser, dando voltas e voltas. A Dama de Vermelho, e um estonteante vestido vermelho para atrás dela e eu peço que espere um segundo. Ela sai e mantem uma distância onde posso vê-la, mas não ela a mim.
Tento me desconversar com a Moça das Boquinhas, mas ela avança em uma velocidade impressionante e me beija. Não, ela toca os meus lábios e eu me desvencilho. Ela chora, xinga e some. Procuro por ela e tento explicar que não poderia fazer isso com a Dama de Vermelho, assim como não o faria com ela, nem com nenhuma outra. Ela então promete não me seguir mais.

De repente, todas as mulheres da casa, que agora era extremamente maior, estão usando vestidos vermelhos. Meu olhar corre imediatamente para onde estava minha Dama de Vermelho, mas só encontro os que a cercavam. E o Trapaceiro, agora gordo como um porco.
Ele me indica o baile de vermelho e, sem pensar, busco pela casa inteira, em todos os andares, por algum sinal daqueles lábios pintados pretos. Mas todos os vestidos estão vermelhos, a decoração da casa está vermelha, não sei onde mais buscar.

Eis que então me encontro no último andar e vejo uma sala retangular no andar de baixo, como que através de um mezanino. Eternamente grande e infinitamente povoada. É difícil entender o movimento lá embaixo, mas são mulheres de branco, dançando uma música que não consigo ouvir. Como último recurso, e desesperado, chamo a primeira pessoa que passa do meu lado. Aquelas boquinhas me enojam, mas ela é a única que também viu a Dama de Vermelho, e eu não vejo mais ninguém da festa, apenas o mar de mulheres de branco dançando.
Como se ela soubesse desde o princípio e estivesse apenas esperando, me aponta o lugar exato onde eu vejo, quase escondido, um pingo vermelho em meio à multidão.

Em um segundo estou de frente para aquele vestido vermelho, mirando, febril, aqueles lábios pintados de preto. Não espero que ela abra os olhos e a beijo. No segundo em que o faço, ela tenta se desvencilhar, mas para ao abrir os olhos e me reconhecer. Então me beija. Seu batom cor de morte borrando minha boca, sinto como se grades me cercassem. Abro os olhos e elas existem. A Dama de Vermelho abre os olhos e eu vejo desespero em seu olhar.
Ela sente meus lábios frios, meu corpo gélido, meu peito parado. E grita.
A música para e meu corpo cai morto.
Continuo olhando aquela cena.
Meu beijo com gosto de defunto.
Meus lábios borrados de preto pela morte.
Aquelas boquinhas famintas olhando de longe sem emoção.
O Trapaceiro, gordo como um porco, rindo.
O gozo da carne traçando a linha de tempo dos vivos e a linha de chegada dos mortos.
Sorrio, por fim.
Foi um beijo inigualável.
A Dama de Vermelho, dos olhos forte e firmes, agora me olha com tristeza e chora.
Abro os olhos e estou nos braços dela novamente, deixo-lhe um beijo e rastejo para fora.
Nunca mais volto aqui.

- Baseado em um conjunto de sonhos que venho tendo a uma semana e se completaram essa noite
(PINHEIRO, João Pedro C. - 21/11/2012)

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Intangível

A distância que nos separa transcende a noção dos limites aos quais fomos impostos. De tão intangível, busquei no inimaginável as mais longas horas de pranto, as mais belas noites de amor, os mais inocentes desejos, os mais doces lábios beijados. De tão intocável, busquei no indescritível um canto de conforto, uma carícia de paz, um ínfimo acalento, uma gota de prazer.

Já te fiz minha uma centena de vezes e outras tantas eu te fiz ausente, mas em quantas delas eu a tive? Já foste forte e soberana, foste rude e indiferente. Assim também foste frágil e insegura, foste débil e delinqüente, mas quantas vezes foste minha?

Ah, quantas vezes não a cobri de lágrimas, quantas vezes não a descartei mal amada, quantas vezes não a esqueci e quantas não a apreciei. E mesmo assim, quantas vezes eu não a amei? Mas o universo existente entre nós, essa barreira intransponível que sempre está lá, a cada vez que a admiro, a cada vez que a amo, a cada vez que a recuso, a cada vez que a odeio, é sempre tão fria, tão sólida, tão cruel.

Poderíamos um dia nos olhar e quem sabe até nos tocar, mas para tanto, ela não poderia existir. E não existindo, então, não seriamos quem e o que somos. Talvez já estivéssemos cansados, velhos, tristes. O doce que me traz a ti é a certeza do inacessível. É quando te vejo pronta e poderia mergulhar em ti, que me lembro que não está lá para mim. Não está ao meu alcance. Eu posso quase tocá-la do lado de cá, mas estás to lado de lá.

E assim, sem saída, eu prefiro continuar sendo o caminho das pedras que te leva à estrada dos tijolos amarelos. Mesmo que deva seguir, então, sozinha. E eu. Sem ti. Guardado em mim o sabor, doce ou amargo, não importa. É teu. Mas meu preço é o amor e este, minha cara, você jamais poderá pagar. Portanto, continue poesia, para que eu continue a te escrever.
(PINHEIRO, João Pedro C.; 17/08/2012 - 15:25h)

quarta-feira, 27 de junho de 2012

Sobre o abandono

Olho as cartas sem mais pressa,
Os copos secaram e me condenaram,
A ausência é presente que me lesa,
A presença é oca, além de pouca.

Se largou seu porto pra trás,
Então fugiu e ninguém te ouviu,
Sou o último barco naufragando no cais,
Aportando lento, já sem intento.

O vazio me envolve em loucura,
Resta o som de ondas fora do tom,
Dissonando em cada fissura,
Passo marcado, compasso quebrado.

Ao horizonte o último raio de luz,
O leme errante, o mastro dançante,
Querem navegar, mas ninguém os conduz,
Sobra adulação em tanta solidão.

O convés então cede à dor,
Antes inabalável, tornou-se instável,
A força esvaiu-se sem se opor,
Minguou sofrida, tornou-se ferida.

Por fim naufrago sem opção,
Sem tentar fugir, sem tentar seguir,
Abandonado ao léu sem perdão
Sem tentar me por ou me opor.

(PINHEIRO, João Pedro C. - 27/06/2012 - 10:40hs São Paulo)

sexta-feira, 2 de março de 2012

Deixe-me a me enganar

Permita-me escrever novamente,
Um sentimento fingido em um poema doente,
Uma perfeita mentira em uma estrela cadente.
Deixe-me a me enganar.

Permita-me fingir uma peça,
Onde a mocinha não cresça e jamais se despeça,
Onde o mocinho não vença, mas não tenha mais pressa,
Deixe-me a me enganar.

Permita-me mentir outro amor,
Um tão belo e tão grande, mas tão incolor,
Um tão perfeito e tão raro, mas tão traidor,
Deixe-me a me enganar.

Permita-me esconder a verdade,
Pois se vamos embora, nós já vamos tarde.
Não veriamos o dobro nem que fosse a metade,
Deixe-me a me enganar.

Permita-me apenas seguir,
Eu já tenho destino, mas não sei pra onde ir,
Se estou no caminho, eu não posso seguir,
Deixe-me a me enganar.
(PINHEIRO, João Pedro C. - 02/03/2012 - São Paulo, SP)